quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

No escarnecedor semblante do desdém







Semeiam alfazema
No rastro das virgens esculpidas
Em brumas de desassossego,
Os amantes.

…E, vão expirando êxtase,
no cúmplice devaneio
das noites prometidas,
embriagadas na solidão das estrelas.

Entoam cânticos às pedras nuas do caminho mais ermo.
Balbuciam hinos
No enlaçar dos corpos,
Rebolando vida
No ventre maduro das searas sofridas.

Os amantes,
Ainda sobrevoam enigmas transbordantes de luz…
…e, vão implorando sorrisos
Às sensacionais estátuas
Plantadas pelas praças.
Servos da paixão,
Ainda buscam um novo além
No limiar do cansaço.
Inventam a pintura,
Convocam os poetas,
E vão partilhando rituais de silêncio com a loucura
No escarnecedor semblante do desdém.
















Fico gelado dos pès







Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés. 






terça-feira, 24 de dezembro de 2013

NATAL- em que o Nada retome a cor do Infinito







Ladainha dos póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
 
 
 
 
 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Que vontade de chorar







Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
Porque parece que acontece
De repente
Como um desejo de eu viver sem me notar
Igual a tudo, quando eu passo
Num subúrbio
Eu muito bem, vindo de trem
De algum lugar
Aí me dá uma inveja
Dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar
São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada, escrito em cima
Que é um lar
Pela varanda, flores tristes
E baldias
Como a alegria que não tem
Onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito de eu não ter
Como lutar
E eu não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar






domingo, 22 de dezembro de 2013

Em vez de as gritar







Amo-te com todas as letras
Mas não sei como as usar
Oiço-as em surdina
Trémulas, receosas
Em vez de as gritar!






sábado, 21 de dezembro de 2013

Porque tudo se escreve com a tua letra






Fala-se de amor para falar de muitas coisas
que entretanto nos sucede.
Para falar do tempo, para falar do mundo
usamos o vocabulário preciso
que nos dá o amor.
Eu amo-te. Quer dizer: eu conheço melhor
as estradas que servem o meu território.
Quer dizer: eu estou mais acordado,
não me enredo nas silvas, não me enredo,
não me prendo nos cardos, não me prendo.
Quer dizer: amar-te-ei
cada dia mais, estarei cada dia
mais acordado. Porque este amor não para.
Porque eu amo-te, quer dizer, eu estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.
Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.





sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Em mim se inscreve como se durasse










Falamos junto à luz. Lá fora a noite
Imóvel brilha sobre o mar parado.
À sombra das palavras o teu rosto
Em mim se inscreve como se durasse.







quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

que faremos nós de ti e tu de nós?







Aqueles olhos aproximam-se e passam.
Perplexos, cheios de funda luz,
doces e acelerados, dominam-me.
Quem os diria tão ousados?
Tão humildes e tão imperiosos,
tão obstinados!

Como estão próximos os nossos ombros!
Defrontam-se e furtam-se,
negam toda a sua coragem.
De vez em quando,
esta minha mão,
que é uma espada e não defende nada,
move-se na órbita daqueles olhos,
fere-lhes a rota curta,
Poderosa e plácida.

Amor, tão chão de Amor,
Que sensível és...
Sensível e violento, apaixonado.
Tão carregado de desejos!
Acalmas e redobras
e de ti renasces a toda a hora.
Cordeiro que se encabrita e enfurece
e logo recai na branda impotência.
Canseira eterna!

Ou desespero, ou medo.
Fuga doida à posse, à dádiva.
Tanto bater de asas frementes,
tanto grito e pena perdida...
E as tréguas, amor cobarde?
Cada vez mais longe,
mais longe e apetecidas.
Ó amor, amor,
que faremos nós de ti e tu de nós?





quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

são frios os batentes nas portas da manhã








Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama

e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.









terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Fazer amor contigo sobre a areia






Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?

O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.

E bastava. Bastava respirar
a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.




domingo, 15 de dezembro de 2013

pelo silêncio fascinadas







Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.






sábado, 14 de dezembro de 2013

A alma que amar







Estar alegre
E triste,
Perder-se a pensar,
Desejar
E recear
Suspensa em penar,
Saltar de prazer,
De aflição morrer —
Feliz só será
A alma que amar.





sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

o alimento deles já estava em ti...








Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
Alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...









quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

São astros que me tombam do regaço!







Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!





quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

este sol que nunca capitula








Sob o açoite do Inverno mais bravio
quando a lua entre nuvens se anula
sobre a terra onde se estende o frio
ou sob os céus o chumbo se acumula

A voz do vento, uivo ou assobio
urde a ânsia com que me cumula
do mesmo gelo que tece, no rio
os trâmites da noite que me açula

Nos olhos abismados do vazio
na língua que seca ou se acidula
na pele onde se hospeda o arrepio

Dói-me, minha, a chama que me sua
e sói-me febre no corpo doentio
este sol que nunca capitula





terça-feira, 10 de dezembro de 2013

e vai cantar-te a canção de mim






Tu és a corça e eu o cervo,
pássaro tu e eu a árvore,
o sol tu e eu a neve,
tu és o dia e eu o sonho.

De minha boca adormecida à noite
um pássaro de ouro voa a ti:
tem a voz clara, multicolores asas,
e vai cantar-te a canção do amor
- e vai cantar-te a canção de mim.







segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Nome do mundo, diadema







Não te queria quebrada pelos quatro elementos.
Nem apanhada apenas pelo tacto;
ou no aroma;
ou pela carne ouvida, aos trabalhos das luas
na funda malha de água.
Ou ver-te entre os braços a operação de uma estrela.
Nem que só a falcoaria me escurecesse como um golpe,
trêmulo alimento entre roupa
alta,
nas camas.
Magnificência.
Levantava-te
em música, em ferida
- aterrada pela riqueza -
a negra jubilação. Levantava-te em mim como uma coroa.
Fazia tremer o mundo.
E queimavas-me a boca, pura
colher de ouro tragada
viva. Brilhava-te a língua.
Eu brilhava.
Ou que então, entrecravados num só contínuo nexo,
nascesse da carne única
uma cana de mármore.
E alguém, passando, cortasse o sopro
de uma morte trançada. Lábios anônimos, no hausto
de árdua fêmea e macho
anelados em si, criassem um órgão novo entre a ordem.
Modulassem.
E a pontadas de fogo, pulsavam os rostos, emplumavam-se.
Os animais bebiam, ficavam cheios da rapidez da água.
Os planetas fechavam-se nessa
floresta de som unânime
pedra. E éramos, nós, o fausto violento, transformador
da terra
Nome do mundo, diadema.





sábado, 7 de dezembro de 2013

os suores das nossas vidas






Estou perante a noite mais profunda,
a delicada noite das raízes: vejo rostos
vejo os sinais e os suores das vossas vidas.





sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

I will not run







How could you
You are the river
Pour out of this life
How could you
You are the morning bird
Who sang me into life every day
Fly away


You are the blood of me
The harvest of my dreams
There's nowhere I can find peace
And the silence won't cease
Nothing's quite how it seems
The ghost of my joy
Won't let me be
If you set me free I will not run
I will not run




quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

e com lâmina de amor inventa o sabre






Juntar todas as rosas
do teu corpo
como quem despe a pessoa amada

Como quem quer saber
e não entende
por que se morre de paixão rasgada

Atar todas as rosas
do teu corpo
como quem prende o fogo que se abre

Este crescido fulgor
que vara o tempo
e com lâmina de amor inventa o sabre



quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

juntos pela vida...







Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes -
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca
da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida...




terça-feira, 3 de dezembro de 2013

E nunca dessa maneira







Trigueira! que tem? Mais feia
Com essa cor te imaginas?
Feia! tu, que assim fascinas
Com um só olhar dos teus!
Que ciúmes tens da alvura
Desses semelhantes de neve!
Ai, pobre cabeça, leve!
Que te não castigue Deus.

Trigueira! se tu soubesses
O que é ser assim trigueira!
Dessa ardilosa maneira
Porque tu o sabes ser;
Não virias lamentar-te,
Toda sentida e chorosa,
Tendo inveja à cor da rosa,
Sem motivos para a ter.

Trigueira! Porque és trigueira
É que eu assim te quis tanto.
Daí provém todo o encanto
Em que me traz este amor.
E suspiras e murmuras;
Que mais desejavas inda?
Pois serias tu mais linda,
Se tivesses outra cor?

Trigueira! onde mais realça
O brilhar duns olhos pretos,
Sempre húmidos, sempre inquietos,
Do que numa cor assim?
Onde o correr duma lágrima
Mais encantos apresenta?
E um sorriso, um só, nos tenta,
Como me tentou a mim?

Trigueira! E choras por isso!
Choras, quando outras te invejam
Essa cor, e em vão forcejam
Por, como tu, fascinar?
Ó louca, nunca mais digas,
Nunca mais, que és desditosa.
Invejar a cor da rosa,
Em ti, é quase pecar.

Trigueira! Vamos, esconde-me
Esse choro de criança.
Ai, que falta de confiança!
Que graciosa timidez!
Enxuga os bonitos olhos,
Então, não chores trigueira,
E nunca dessa maneira





segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

por gram mercee vo-lo [eu] terrei







O que vos nunca cuidei a dizer,
com gram coita, senhor, vo-lo direi, ;
porque me vejo já por vós morrer; ,
ca sabedes que nunca vos falei .
de como me matava voss'amor;
ca sabe Deus bem que doutra senhor,
que eu nom havia, mi vos chamei.

E tod[o] aquesto mi fez fazer

o mui gram medo que eu de vós hei
e des i por vos dar a entender
que por outra morria - de que hei,
bem sabedes, mui pequeno pavor; ?
e des oimais, fremosa mia senhor,
se me matardes, bem vo-lo busquei.

E creede que haverei prazer
de me matardes, pois eu certo sei
que esso pouco que hei de viver
que nẽum prazer nunca veerei;
e porque sõo desto sabedor,
se mi quiserdes dar morte, senhor,
por gram mercee vo-lo [eu] terrei.




domingo, 1 de dezembro de 2013

porque outra é indubitável: não se ouve ninguém






Aclamações
dentro do edifício inexpugnável
aclamações
por já termos chapéu para a solidão
aclamações
por sabermos estar vivos na geleira
aclamações
por ardermos mansinho junto ao mar
aclamações
porque cessou enfim o ruído da noite a secreta alegria por escadas
               de caracol
aclamações
porque uma coisa é certa: ninguém nos ouve
aclamações
porque outra é indubitável: não se ouve ninguém







sábado, 30 de novembro de 2013

para amar-te sem medida







Pode inventar-se verbos?
Quero dizer-te um: Eu te céu.
Assim as minhas asas estendem-se, enormes, para amar-te sem medida.




sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Para meus olhos duros







De delicadezas me construo. Trabalho umas rendas
Uma casa de seda para uns olhos duros.
Pudesse livrar-me da maior espiral
Que me circunda e onde sem querer me reconstruo!
Livrar-me de todo olhar que, quando espreita, sofre
O grande desconforto de ver além dos outros.
Tenho tido esse olhar. E uma treva de dor
Perpetuamente.
Do êxodo dos pássaros, do mais triste dos cães,
De uns rios pequenos morrendo sobre um leito exausto.
Livrar-me de mim mesma. E que para mim construam
Aquelas delicadezas, umas rendas, uma casa de seda
Para meus olhos duros




quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Mas sempre para depois poder regressar









Na correria da vida apressada,
Um silêncio, para fazer parar o ruído
Uma paragem, para fisgar de longe o alvo
Uma pausa, para poder pensar a vida
Uma pausa, para saborear mais
E fruir somente,
Aquilo que existe,
Aquilo que existe e é real,
Profundo, verdadeiro, autêntico
Para ganhar distância,
Sem recuar,
Sair de cena, fazer vazio
E só então prosseguir,
Por entre a memória do passado
E a miragem do futuro,
Procurar sentido
E deixar-me ir,
Apenas ir,
Pensar para agir,
Partir,
Viajar para sentir,
Fugir,
Mas sempre para depois poder regressar.






terça-feira, 26 de novembro de 2013

no cimo das árvores, nas gotas da chuva






Queixo-me ao vento, a nossa vida não é senão um minuto,
cavalos, regressem,
se pelo menos os cavalos pudessem regressar:
regressem ao nosso tempo, uma vez mais para recomeçar!

Se pelo menos os ponteiros invertidos do relógio nos pudessem trazer
de volta os momentos que desperdiçámos, aos bocadinhos,
se pelo menos a engrenagem, operando em sentido contrário,
pudesse deslindar o nó do suicídio,
se pelo menos a lua que ainda ontem se deitou
regressasse uma vez mais ao céu de hoje,
se pelo menos conseguíssemos chorar de novo
as nossas mágoas triviais!

Queixo-me ao vento ─ ouçam o seu lamento agoniado ─
se pelo menos o vento pudesse trazer de novo,
trazer de novo a máscara da pele morta ─
a máscara que no sopro da morte
deslocou da face um último fôlego
e que o vento agora varre e desgasta ─
para que nos beijemos uma vez mais
antes que esvaneça e se despedace
no cimo das árvores, nas gotas da chuva.





segunda-feira, 25 de novembro de 2013

estranhíssima noite de verão







Do alto do céu um anjo enraivecido
tocou o alarme para a terra triste.
Endoidaram cem jovens pelo menos,
caíram pelo menos cem estrelas,
pelo menos cem virgens se perderam:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Nossa velha colmeia pegou fogo,
nosso potro melhor quebrou a pata,
os mortos, no meu sonho, estavam vivos
e Burkus, nosso cão fiel, sumiu,
nossa criada Mári, que era muda,
esganiçou de pronto uma canção:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Os ninguéns exultavam de ousadia,
os justos encolhiam-se e o ladrão,
mesmo o mais tímido, roubou então:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Sabíamos da imperfeição dos homens,
de suas grandes dívidas de amor:
mas era singular, ainda assim,
o fim de um mundo que chegava ao fim.
Jamais tão zombeteira esteve a lua
e nunca foi menor o ser humano
do que foi nessa tal noite em questão:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Perversamente em júbilo, a agonia
sobre todas as almas se abatia,
os homens imbuíram-se do fado
recôndito de cada antepassado
e, rumo a bodas de um horror sangrento,
seguia embriagado o pensamento,
o altivo servidor do ser humano,
este, por sua vez, mero aleijão:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Pensava então, pensava eu, todavia,
que um deus negligenciado voltaria
à vida para me levar à morte,
mas eis que vivo e ainda sou o mesmo
no qual me converteu aquela noite
e, à espera desse deus, recordo agora
uma só noite mais que aterradora
que fez um mundo inteiro soçobrar:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.




quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Quis a tua nudez Não quis que te despisses






Rangia entre nós dois a música da areia
como se fosse Agosto a dedilhar um sistro
Agora está fechada a casa onde te amei
onde à noite uma vez devagar te despiste

Floresça o clavicórdio em pleno mês de Outubro
Na harpa de Setembro entrelaçou-se a vinha
A que vem de repente entre os dois este muro
feito de solidão de sal de marés vivas

Podia conjurar-te a que não me esquecesses
mas é longe do Mar que os navios são tristes
De que serve o convés com a sombra das redes

Quis a tua nudez Não quis que te despisses 




Um giro em circulo total do espectro.






Com um vidente deparei,
Passando pelos matizes e objetos do mundo,
Os campos da arte e do conhecimento, prazer e sentidos,
Coligindo espectros.

Introduz teus cantos, ele disse,
Não mais a hora confusa nem o dia, nem segmentos, partes, introduz,
Começa, antes dos demais, como a luz para todos e por todos a canção de entrada,
Aquela dos espectros.

Sempre o pálido começo,
Sempre o crescimento, o arredondamento do círculo,
Sempre o ápice e o análgama afinal (para o certo recomeço).
Espectros, espectros!

Sempre mutáveis,
Sempre materiais, transformando-se, fazendo-se em migalhas readerindo,
Sempre os ateliês, as fábricas divinas,
Editando espectros.

Veja-se, eu ou tu,
Ou mulher, ou homem, ou estado, conhecido ou ignorado,
Nós parecemos sólida riqueza, força, beleza construída,
Mas de fato erguemos espectros.

A ostentação evanescente,
A substancia do humor de um artista ou a longa observação da savana,
As armadilhas de um guerreiro, de um mártir, de um herói,
Para talhar seu espectro.

Toda a vida humana,
(As unidades juntas, protegidas, nem um pensamento, a emoção, a realização, deixados de fora)
O todo ou o grande ou o pequeno somado, adicionado,
Sem seus espectros.

O velho, o antigo anseio,
Baseado nos clássicos pináculos, veja os novos, mais altos pináculos,
Da ciência e do moderno ainda impelidos
Pelo velho, antigo anseio, espectros.

O presente. aqui e agora,
Da América, o ocupado, o prolífico, o intrincado turbilhão,
De agregado e segregado, porque dali apenas deixando ir,
Os hodiernos espectros.

Esses com o passado,
De terras esvaecidas, de todos os reinos de reis de além mar,
Velhos conquistadores, velhas campanhas, velhas viagens de marinheiros,
Juntando-se espectros.

Densidades,crescimento, fachadas,
Estratos de montanhas, terras, rochas, árvores gigantes,
Nascidos à distância, à distância morrendo, vivendo longamente, para deixar,
Espectros perpétuos.

Exaltado, arrebatado, extático,
O útero visível, mas deles desde a origem
De esféricas tendências para talhar, talhar e talhar,
A poderosa Terra-espectro.

Todo espaço, todo tempo
(As estrelas, as terríveis perturbações dos sóis,
Dilatando-se, desmoronando, acabando, servindo seu propósito mais breve ou [duradouro),
Plenos de espectros somente.

Miríades silenciosas,
Os oceanos infinitos onde os rios deságuam,
As incontáveis identidades livres, separadas, como visão,
As verdadeiras realidades, espectros.

Não é este o mundo,
Não são esses os universos, eles os universos
Significam e terminam, sempre a permanente vida da vida,
Espectros, espectros.

Além de tuas aulas, erudito professor,
Alem de teu telescópio ou espectroscópio aguçado, observador, além de toda [matemática,
Alem da cirurgia dos médicos, da anatomia, além dos químicos e sua química,
As entidades das entidades, espectros.

Soltos, ainda que presos,
Sempre serão, sempre foram e são,
Varrendo o presente para o futuro sem fim,
Espectros, espectros, espectros.

O profeta e o bardo
Devem embora manter-se em estágios ainda mais elevados,
Devem mediar para o moderno, para a Democracia, ser interpretes deles ainda,
Deus e espectros.

E tu, minha alma,
Alegrias, exercícios incessantes, exaltações,
Teus anelos amplamente atendidos finalmente, preparados para encontrar,
Teus companheiros, espectros.

Teu corpo permanente,
O corpo espreitando lá dentro de teu corpo,
O único sentido da forma de tua arte, o verdadeiro Eu, eu mesmo,
Uma imagem, um espectro.

Tuas próprias canções fora de tuas canções,
Sem tensões especiais para cantar, nenhuma por si mesma,
Mas do resultado total, erguendo-se finalmente e flutuando,
Um giro em circulo total do espectro. 




quarta-feira, 20 de novembro de 2013

This ghoul-haunted woodland of Weir





The skies they were ashen and sober;
The leaves they were crisped and sere -
The leaves they were withering and sere;
It was night in the lonesome October
Of my most immemorial year:
It was hard by the dim lake of Auber,
In the misty mid region of Weir -
It was down by the dank tarn of Auber,
In the ghoul-haunted woodland of Weir.

Here once, through and alley Titanic,
Of cypress, I roamed with my Soul -
Of cypress, with Psyche, my Soul.
These were days when my heart was volcanic
As the scoriac rivers that roll -
As the lavas that restlessly roll
Their sulphurous currents down Yaanek
In the ultimate climes of the pole -
That groan as they roll down Mount Yaanek
In the realms of the boreal pole.

Our talk had been serious and sober,
But our thoughts they were palsied and sere -
Our memories were treacherous and sere, -
For we knew not the month was October,
And we marked not the night of the year
(Ah, night of all nights in the year!) -
We noted not the dim lake of Auber
(Though once we had journeyed down here) -
Remembered not the dank tarn of Auber,
Nor the ghoul-haunted woodland of Weir.

And now, as the night was senescent
And star-dials pointed to morn -
As the star-dials hinted of morn -
At the end of our path a liquescent
And nebulous lustre was born,
Out of which a miraculous crescent
Arose with a duplicate horn -
Astarte's bediamonded crescent
Distinct with its duplicate horn.

And I said: "She is warmer than Dian;
She rolls through an ether of sighs -
She revels in a region of sighs:
She has seen that the tears are not dry on
These cheeks, where the worm never dies,
And has come past the stars of the Lion
To point us the path to the skies -
To the Lethean peace of the skies -
Come up, in despite of the Lion,
To shine on us with her bright eyes -
Come up through the lair of the Lion,
With love in her luminous eyes."

But Psyche, uplifting her finger,
Said: "Sadly this star I mistrust -
Her pallor I strangely mistrust:
Ah, hasten! -ah, let us not linger!
Ah, fly! -let us fly! -for we must."
In terror she spoke, letting sink her
Wings until they trailed in the dust -
In agony sobbed, letting sink her
Plumes till they trailed in the dust -
Till they sorrowfully trailed in the dust.

I replied: "This is nothing but dreaming:
Let us on by this tremulous light!
Let us bathe in this crystalline light!
Its Sybilic splendour is beaming
With Hope and in Beauty tonight! -
See! -it flickers up the sky through the night!
Ah, we safely may trust to its gleaming,
And be sure it will lead us aright -
We safely may trust to a gleaming,
That cannot but guide us aright,
Since it flickers up to Heaven through the night."

Thus I pacified Psyche and kissed her,
And tempted her out of her gloom -
And conquered her scruples and gloom;
And we passed to the end of the vista,
But were stopped by the door of a tomb -
By the door of a legended tomb;
And I said: "What is written, sweet sister,
On the door of this legended tomb?"
She replied: "Ulalume -Ulalume -
'Tis the vault of thy lost Ulalume!"

Then my heart it grew ashen and sober
As the leaves that were crisped and sere -
As the leaves that were withering and sere;
And I cried: "It was surely October
On this very night of last year
That I journeyed -I journeyed down here! -
That I brought a dread burden down here -
On this night of all nights in the year,
Ah, what demon hath tempted me here?
Well I know, now, this dim lake of Auber -
This misty mid region of Weir -
Well I know, now, this dank tarn of Auber,
This ghoul-haunted woodland of Weir."





terça-feira, 19 de novembro de 2013

Que eu trato dela sempre muito bem







A felicidade é uma coisa boa
E tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo de bom ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato dela sempre muito bem.






segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Aqui o tempo e o sol nada amadurecem








Ouve:
Como tudo é tranquilo e dorme liso;
Claras as paredes, o chão brilha,
E pintados no vidro da janela
O céu, um campo verde, duas árvores.
Fecha os olhos e dorme no mais fundo
De tudo quanto nunca floresceu.

Não toques nada, não olhes, não te lembres.
Qualquer passo
Faz estalar as mobílias aquecidas
Por tantos dias de sol inúteis e compridos.

Não te lembres, nem esperes.
Não estás no interior dum fruto:
Aqui o tempo e o sol nada amadurecem.





domingo, 17 de novembro de 2013

quem lhe abriria a porta quando eu morresse?






Sempre que pode foge prá rua, 
cheira o passeio 
e volta pra trás, 
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva 
desesperada. 
Deixo-o sofrer 
que o sofrimento tem sua paga, 
e ele bem sabe. 

Quando abro a porta corre pra mim 
como acorre a mulher aos braços do amante. 
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento, 
vagarosamente, 
 do alto da cabeça até ao fim da cauda. 
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos, 
olhos semi-cerrados, em êxtase, 
ronronando. 

Repito a festa, 
vagarosamente. 
do alto da cabeça até ao fim da cauda. 
Ele aperta as maxilas, 
cerra os olhos, 
abre as narinas. 
e rosna. 
Rosna, deliquescente, 
abraça-me 
 e adormece. 

Eu não tenho gato, mas se o tivesse 
quem lhe abriria a porta quando eu morresse? 





sábado, 16 de novembro de 2013

Lília formosa aformoseia o crime








Voa a Lília gentil meu pensamento
Nas asas de esperanças sequiosas;
Amor, à frente de ilusões ditosas,
O chama, e lhe acelera o movimento.

Ígneo desejo audaz que em mim sustento
Mancha o puro candor das mãos mimosas,
Os olhos cor dos céus, a tez de rosas,
E o mais, onde a ventura é um momento

Eis que pesada voz terrível grito
Soa em minha alma, o coração me oprime
E austero me recorda a lei e o rito.

Devo abafar-te, amor, paixão sublime?
Ah! Se amar como eu a amo é um delito,
Lília formosa aformoseia o crime.





sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Ó minha branca e pequenina lua!








Porque tens, por que tens olhos escuros
E mãos lânguidas, loucas e sem fim
Quem és, que és tu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros?

Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?

Fugaz, com que direito tens-me presa
A alma que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:

E és tão pouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética, indefesa
Ó minha branca e pequenina lua!




quinta-feira, 14 de novembro de 2013

em restos de champanhe

 



Sentei-me com um copo em restos de
champanhe a olhar o nada.
Entre crianças e adultos sérios
Tive trinta em casa.
Será comovedor os quatro anos
e a festa colorida
as velas mal sopradas entre um rissol
no chão e os parabéns:
quatro anos de vida.

Serão comovedores os sumos de
laranja concentrados (proporções
por defeito) e os gostos tão
diversos, o bolo de ananás,
os pés inchados.

Será soberbamente comovente
toda a gente cantando,
o mau comportamento dos adultos
conversas-gelatinas e os anos
só pretexto.

Mas eu gostei. E contra mim gostei
mesmo no resto:
este prazer pequeno do silêncio
um sapato apertando descalçado
guardanapo e rissol por arrumar
no chão e um copo

olhando o nada
em restos de champanhe





quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Seus amores serão bons







Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim
Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim

Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons



terça-feira, 12 de novembro de 2013

Pela goma das noites






Querida vem junto de mim
Esta noite quero cantar
Uma canção para ti

Uma canção sem lágrimas
Uma canção ligeira
Uma canção de charme

O charme das manhãs
Envolvidas em bruma
Em que valsam coelhos

O charme dos pântanos
Onde alegres crianças louras
Pescam crocodilos

O charme dos prados
Que se ceifam no Verão
Para podermos rebolar-nos

O charme das colheres
Que rapam os pratos
E a sopa de olhos claros

O charme do ovo cozido
Que permitiu a Colombo
O truque mais luzido

O charme das virtudes
Que dão ao pecado
O gosto do proibido

Podia ter-te cantado
Uma canção de carvalho
De ulmeiro ou de choupo

Uma canção de plátano
Uma canção de teca
De rimas mais duráveis

Mas sem ruído nem alarme
Preferi experimentar
Esta canção de charme

Charme do velho notário
Que no estúdio austero
Denuncia o falsário

Ou o charme da chuva
Escorrendo gotas de ouro
Sobre o cobre do leito

Charme do teu coração
Que vejo junto ao meu
Quando penso no bem-estar

Ou o charme dos sóis
Que giram sempre em volta
De horizontes vermelhos

E o charme dos dias
Apagados da nossa vida
Pela goma das noites 




domingo, 10 de novembro de 2013

O rio é dentro de mim







Hoje estou melancólica e suspirosa, choveu muito, a água invadiu este porão de lembranças, boiam na enxurrada a caminho do rio.
Deixo que naveguem, pois não as perderei.
O rio é dentro de mim.

sábado, 9 de novembro de 2013

Est d’avoir quelquefois pleuré






J’ai perdu ma force et ma vie
Et mes amis et ma gaieté;
J’ai perdu jusqu’à la fierté
Qui fasait croire à mon génie.

Quand j’ai connu la Verité,
J’ai cru que c’´était une amie;
Quand je l’ai comprise et sentie,
J’en était déjà dégoûté.

Et pourtant elle est éternelle,
Et ceux qui se sont passés d’elle
Ici-bas ont tout ignoré.

Dieu parle, il faut qu’on lui reponde.
- Le seul bien qui me reste au monde
Est d’avoir quelquefois pleuré.






sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Nada era demasiado insignificante para essa conversa, nada era demasiado grande






"Por isso, Orlando e Sasha, como ele passou a chamá-la para abreviar, e porque era o nome de uma raposa russa branca que tinha tido quando criança - uma criatura suave como a neve, mas com dentes de aço, que o mordeu de forma tão selvagem que levou seu pai a matá-la - por isso, ficaram com o rio para si próprios. Aquecidos pela patinagem e pelo amor, lançavam-se para lugares solitários, onde os canaviais amarelos encobriam as margens, e, envoltos num grande manto de pele, Orlando tomava-a nos seus braços e conhecia, pela primeira vez, murmurava, as delícias do amor. Depois, quando atingido o êxtase se ficavam num desmaio sobre o gelo, ele contava-lhe os seus outros amores e como, comparados com ela, eles tinham sido de madeira, de pano cru e de cinzas. E riso da sua veemência, ela voltava-se de novo para ele para mais um abraço de prova de amor. E admiravam-se de o gelo não derreter com o seu calor, com pena da pobre mulher que, a falta de meio natural de derreter o gelo, teria que o bater com uma lâmina de aço frio. E depois, envolto nas suas peles, falavam de tudo e mais alguma coisa; de locais e de viagens, de mouros e pagãos; da barba de um homem e da pele de outra mulher; de um rato alimentado à mesa pela mão dela; das tapeçarias tortas na parede da casa; de um rosto; de uma perna. Nada era demasiado insignificante para essa conversa, nada era demasiado grande".




quinta-feira, 7 de novembro de 2013

e o tempo revelou não ser o meu









dizem que em sua boca se realiza a flor
outros afirmam:
                   a sua invisibilidade é aparente
mas nunca toquei deus nesta escama de peixe
onde podemos compreender todos os oceanos
nunca tive a visão de sua bondosa mão

o certo
é que por vezes morremos magros até ao osso
sem amparo e sem deus
apenas um rosto muito belo surge etéreo
na vasta insónia que nos isolou do mundo
e sorri
dizendo que nos amou algumas vezes
mas não é o rosto de deus
nem o teu nem aquele outro
que durante anos permaneceu ausente
e o tempo revelou não ser o meu